domingo, 29 de novembro de 2015



(Seguro um cartaz com a imagem de uma mulher na frente do rosto. São muitos cartazes, todos com imagens de mulheres. Cantarolando, convido que me acompanhem. No caminho para o banheiro vou tirando os cartazes da frente do rosto e os deixo pelo caminho.) (Ainda com cartazes na frente do rosto) Vou começar pelo obvio. Camila, 27 anos. Agora eu poderia listar algumas memórias, (volto a tirar os cartazes da frente do rosto enquanto falo) falar sobre a minha infância, meus pais,  minha cachorra, os gatos que já tive, as casas onde morei, os amigos que deixei pelo caminho, aqueles que carrego comigo desde muito tempo, meus desejos, minhas dores, tantas coisas, parece impossível fazer um recorte. Meu Deus! Sim, eu acredito em Deus, Deuses e Deusas. (acendendo velas) Cavalarias de seres de luz. Ando mística ultimamente, para não dizer religiosa. Tenho descoberto tantos eus em mim, talvez, por isso, seja tão difícil escolher sobre quem falar. Essa semana mesmo, apresentou-se para mim a minha guardiã. Eu mesma. (de dentro do box, com a porta fechada, suspensão na posição da guardiã) Mãos fincadas na terra, estado de vigília, protejo a mim, meu território, ergo minhas fronteiras e sei que nada de ruim pode acontecer, pois eu estou aqui fazendo a minha guarda. Atenta. Cuido de mim como ninguém poderia fazer. (desmonto) Durante muito tempo me entreguei aos cuidados e ao descuido dos outros, hoje eu cuido de mim, sou meu próprio colo. Como é difícil enfrentar a mata fechada que pode ser alguém, eu, o outro, é preciso ser Iansã guerreira, humildemente corajosa para enfrentar o desconhecido. Para deixar-se conhecer.(saio do box) Uma sensação de imensidão para dentro. Ando recolhida. Seleciono cautelosamente aqueles que podem cruzar minhas fronteiras e conhecer meus territórios, poucos chegam a me encontrar por aqui. Mas eu disfarço bem e entrego com carinho algum aroma de mim. Até ser encontrada, nas profundezas de mim, pequena e imensa, por sutis e enormes olhos, capazes de perceber que nós, todAs nós, encerramos em nós a origem de todas as coisas. (saio carregando todos os cartazes, como quem embala a si mesma. todas. eu.)



quinta-feira, 26 de novembro de 2015

não sabia usar

uma vez eu conheci um cara que tinha um pau maravilhoso e não sabia usar. uma vez eu conheci um cara que tinha uma cabeça maravilhosa e não sabia usar.

ideia

que tal se a gente escrever no papel higiênicos e nos pequenos pedaços de papel espalhados pela casa?

cotonete

- um bom cotonete é o equilíbrio perfeito entre o prazer e a dor. eu amava que a minha mãe limpasse meu ouvido. na verdade, até hoje eu gosto.

- sabe o complexo de édipo?

- sei.

- então. pensa sobre isso.


apresentação reloaded

(arrumando alguma coisa) isso aqui era um material, uma roteirização performática, como diz a gabi, a nossa orientadora de direção. uma cena, não importa, sobre mim. uma apresentação. começava comigo cantando uma música da... como é que é o nome dela, gente? (cantarola) é que meu pai sempre colocava pra tocar no carro, quando a gente tava indo pra escola. daí eu começava a falar sobre mim, que meu nome é ricardo cabral pereira mas que eu não gosto do pereira, que nasci dia nove de abril de mil novecentos e noventa às quatro e vinte da manhã e que sou maconheiro. que sou brasileiro e petropolitano, que sou gay, ariano e pisciano. (procura o papel, entrega para alguém) ó, aqui tá o texto todo, se você quiser ler. mas não tem tanta coisa interessante não. eu sempre odiei fazer essa apresentação. responder quem eu sou. tudo acontece numa sequência muito rápida, sem trégua. eu já nem sei em que acreditar, não tenho tempo nem de pensar. você vive muito depressa, meu pai dizia. essa ganância de viver. o passado... eu não tenho presente, não tenho nada, não fiz nada. por que eu não posso parar um pouco? descansar. não dar mais um passo. eu sinto que tem uma fresta na minha alma por onde a substância do que eu sou está sempre escapando, mas eu não vejo onde nem por que. eu olho pra trás e vejo tudo aquilo que eu fui e que eu não sou mais. eu olho pra trás e vejo tudo aquilo que eu fui e que eu não sou mais. eu não quero me apresentar. o gabriel que se apresente. a chris que se apresente. eles que se apresentem. é a última vez que eu faço essa cena. e eu quero terminar com um trecho do sabino, que nunca me deixaram ler, só porque era cafona: de tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. fazer da interrupção um caminho novo. fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.

domingo, 1 de março de 2015

SAM'S BIOGRAPHY

Nasci em 11 de julho de 1983 numa pequena cidade do agreste pernambucano; Limoeiro. Lá vivi grandes aventuras na minha infância e adolescência; fiz sexo a primeira vez com outro homem, comecei a fumar, beber e usar maconha aos 13 anos. Sou de uma família de três irmãos: eu que sou o caçula, o do meio que se chama Esdras e a mais velha, Areli. Minha relação com Esdras sempre foi muito difícil, mas às vezes oscilava para fases mais pacíficas; com Areli, que mais tarde teve os meus sobrinhos Arieli e Tomaz, eu era indiferente, apesar de às vezes achá-la insuportável. Minha mãe sempre foi minha grande referência, mesmo muitas vezes sendo tão diferentes. Já meu pai, à medida que fui crescendo, ele ia ficando quase todo momento em segundo plano, mas não menos amor a ele por isso. Vivi até meus vinte anos no interior de Pernambuco. Depois disso, fui para capital Recife estudar jornalismo. Ali tive importantes experiências de conhecimento e de relacionamento, que jamais teria na minha cidade natal e que foram fundamentais ao meu amadurecimento. Morei com meu irmão, que já saíra de casa alguns anos antes e quem bancou minha moradia e estudos em Recife, apenas um dos quatro anos que vivi na cidade, pois as diferenças entre a gente se mostraram insuportáveis. Nos separamos e a partir dali começava a minha independência total, o que me deixou muito aliviado e que levei muito a sério. Levei à sério até demais. A partir daí, se instaurou no meu inconsciente uma extrema necessidade de “vencer na vida” e isso me tornou uma pessoa desprovida de leveza e de vontade de lazer. Eu não tinha tempo a perder, precisava fazer isso de qualquer jeito. Minha paixão pela dança e o pouco que desenvolvi de danças populares, em paralelo ao jornalismo, me trouxe ao Rio numa oportunidade de trabalho e remuneração que jamais teria em Recife. Vim com uma certeza que não voltaria tão cedo. Quando cheguei aqui me encantei e de cara sabia que não voltaria mais. Aqui tive a oportunidade e a coragem de desenvolver a parte que sempre soube que faltava em mim: o teatro. Respirando esses novos ares geográficos e artísticos, minha vida tomou um rumo excitantemente lindo e louco ao mesmo tempo. Nesse meio tempo, crises de identidade, paixões avassaladoras, pessoas encantadoras e experiências artísticas maravilhosas e também muito difíceis. E a necessidade de "vencer na vida", nessas terras de mil possibilidades, tornou-se ainda mais pesada e um tanto doentia a ponto de não conseguir construir grandes relações de afeto, disso não ser o mais importante. O tempo dispendido é focado muito na necessidade de trabalho e de pagar as contas. Sinto-me hoje preso a esse ciclo vicioso que me impede de crescer.