domingo, 12 de junho de 2016

LÊNY

a minha mãe me teve com 45 anos.
se hoje já é gravidez de risco, imagina naquela época.
mas meus pais queriam muito me ter.
os médicos todos desaconselhavam mas eles encontraram um que achou que dava, que não tinha problema.
ele tinha menos de trinta, tinha acabado de terminar a residência. deu certo, eu tô aqui e ele, o médico, e a mulher viraram meus padrinhos, que eu não vejo nunca.

hoje a minha mãe é uma senhora.
ela anda com muita dificuldade mas ela não aceita de jeito nenhum ir pra cadeira de rodas.
ela tem medo que aconteça o que aconteceu com a minha avó, que o médico disse que quando ela fosse pra cadeira de rodas ela não ia mais voltar a andar - e ela não voltou mesmo.

então a mamãe não deixa a gente ajudar em nada. a gente tenta mas ela não deixa.

outro dia eu tava com ela na casa da minha irmã, ela tinha feito transfusão de sangue então tava se sentindo ótima, mas o médico tinha avisado pra não abusar.
ela foi tomar banho e eu me dei conta de que na casa da minha irmã não tem aquelas barras de apoiar, de segurança, e banheiro é um lugar periogoso, né.
aí eu fui correndo, abri a porta do banheiro e perguntei se ela não queria uma ajuda, que eu ajudasse.
aí ela gritou: a porta tá fechada porque eu tô tomando banho, você fecha essa porta!
e eu fechei.

outro dia eu contei essa história pra lêny, que eu conheci no trem.
ela me disse que todos os filhos tinham que ser que nem eu.
a lêny trabalha numa clínica de idosos na tijuca.
ela cuida do seu raimundo, que já foi um cara muito rico mas que perdeu a lucidez e o dinheiro e os filhos colocaram ele lá e quase nunca visitam, quase nunca aparecem.

às vezes ele acorda no meio da madrugada, acorda a lêni e diz:
- eu preciso ir pro escritório
- pra que, seu raimundo?
- eu preciso despachar, prepara o carro pra mim que eu preciso ir despachar.
ela prepara a cadeira de rodas, do lado da cama, e diz:
- então vamo que o carro tá pronto.
ela coloca ele na cadeira de rodas, eles saem do quarto, dão uma volta no andar e quando eles chegam de novo no corredor do quardo dele, ela pergunta pra ele:
- tá reconhecendo aqui?
- é a rua do meu escritório. ali, no fim da rua.
eles entram no quarto, ele pede pra ela colocar ele na mesa, ela coloca ele na cama e nessa hora ele já tá com sono e dorme.

a lenu entra no trabalho segunda de manhã e sai sábado de manhã.
ela trabalha cento e vinte horas seguidas por semana e ganha mil e seiscentos reais.
ela é sozinha com três filhas e por isso tem medo de reclamar e ser mandada embora.

apesar de tudo isso, ela sorriu muito.
conhecer a lêni foi muito contraditório:
eusentiesperançanomundoaomesmotempoemquesentiqueomundotáperdido.

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