sábado, 29 de novembro de 2014

Caminhar em preto e branco, linhas e aspargos

Quando eu era criança eu gostava de andar na rua pisando só naquelas cerâmicas ou pisos que tinha preto e branco sabe? Eu só pisava no preto. Ou no branco dependia da regra do dia. Às vezes era só nas linhas ou só no meio fio das calçadas. Mas o que eu mais gostava era de pisar nos pretos... sabia que os aspargos são cultivados no escuro pra nascerem brancos? Cultivados no escuro pra nascerem brancos... Engraçado isso ne? Não é engraçado? S A M U E L C A S A C O S M E V E L H O

Sobre soldadinhos, carambolas, açude, chuva, "carcunda", colchões e xixi de vovô


Experimento - Saudade - 17/10/2014

"Soldadjinho de chumbo...tsc! (Com sotaque) Soldadinho de chumbo. Inseto. Sabe soldadinho de chumbo? Aquele bichinho preto com um pinta branca na barriga? Tinha um monte de soldadinho de chumbo no quintal da casa da minha avó. Quintal da casa da minha avó. Tinha um monte de soldadinho de chumbo no pé de carambola do quintal da casa da minha avó. Carambola. Suco de carambola. Casa da minha avó. Carne de panela da minha avó. - Vóóóó, tem carne? Vóóóóó tem carne? A carne de panela de vovó é tão gostosa. Eu gosto que só! O quintal da casa da minha avó era bem grande! Tinha pé de carambola, goiaba, laranja. E no fundo do quintal meu avô fazia colchão de capim forrado com xita pra vender. Não lembro da voz do meu avô. Ele já não falava mais, nem tomava banho. Era um cheiro de cachimbo e xixi que ele tinha. Caminho da casa da minha vó pra minha casa. Da minha casa pra casa da minha avó. Da casa da minha avó pra minha casa. Da minha casa pra casa da minha avó. Sempre na corcunda do meu pai. Era tudo na corcunda do meu pai. Açude na corcunda do meu pai, feira na corcunda do meu pai, igreja na corcunda do meu pai, praça, rua, mercado, escola, chuuuuva na corcunda do meu pai. Quando chovia a gente gostava de mergulhar na correnteza que se formava no meio fio das calçadas. A gente mergulhava e deixava a correnteza levar. Era água muito suja viu? Muito suja!! Mas a gente nem ligava!! - Uhhuuullll!!! - Mas, às vezes, era tempo de seca. A gente tinha que juntar água. Juntar água pra economizar. Tinha que tomar banho de cuia. - Já tomou banho de cuia? - Era cinco cuias de água pra cada banho, pra não gastar muita água. - uma, duas, três, quatro, cinco... - pronto, tava limpo. (deita na posição inicial, fecha os olhos, suspira) Eu queria poder dormir e quando acordar sê lá. Seria tão bom se a gente dormisse e quando acordasse fosse lá ne? Eu queria acordar e sê lá..."
S A M U E L
C A S A D A C H R I S

Meu pombo morreu!

Um dia, quando eu tinha uns 7 ou 8 anos, um pombo caiu no quintal da minha casa. Achei lindo e comecei a cuidar dele como um bicho de estimação. Ele tava ferido e bem sujo. Resolvi dar um banho nele pra ver se ele melhorava. No quintal também ficava o tanque de lavar roupas. Lá estavam algumas roupas de molho no sabão em pó. Imediatamente mergulhei o pombo naquela água ensaboada e esfreguei, esfreguei, esfreguei, enquanto ele se debatia e emitia alguns sons de desconforto. Eu tava crente que tava fazendo bem a ele tirando aquela sujeira e deixando ele cheiroso. Quando achei que tinha terminado, larguei o pombo no chão, onde tinha sol pra ele secar. O pombo não deu mais que cinco passos e caiu duro. Eu pela primeira vez na vida perdia algo de grande valor. Chorei, gritei, esperneei. Meus pais correram pra tentar salvar o pombo, mas já era tarde. Minha mãe, pra me consolar, prometeu fazer um enterro bem bonito e trouxe uma caixa de sapato e alguns retalhos de tecido pra envolver o pombo. Dediquei-me a esse evento e acabei esquecendo de sofrer. Levamos a caixa de sapato, com o pombo dentro, para casa da minha vó e enterramos ele embaixo do pé de limão. Tenho uma imagem pouco nítida desse dia. Lembro de algo como uma manhã e uma luz de sol fraquinha. Enterramos e voltei pra casa na "carcunda" do meu pai. S A M U E L C A S A C O S M E V E L H O

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

minha casa não tinha portas

eu pego na sua mão e te trago comigo, para um canto bom, um lugar onde a gente possa conversar. eu estou aqui com você, agora. peço pra você fechar os olhos. pergunto o que você ouve, o que você escuta, dos barulhos mais próximos aos mais afastados, quase irreconhecíveis. então começo a falar. talvez você abra os olhos, talvez não.

minha casa não tinha PORTAS. quer dizer, é claro que tinha, mas elas nunca eram FECHADAS, muito menos TRANCADAS. acho que foi por isso que me acostumei a ouvir CADA RUÍDO da casa.

levo você para uma pequena volta. continua com os olhos fechados?

estou aqui sentado em meu quarto, o quartel general do barulho de toda a casa. ouço baterem todas as portas, ouço ainda a porta do fogão sendo fechada.o pai arromba as portas de meu quarto e o atravessa arrastando a camisola. no aquecedor, no quarto contíguo, as brasas estalam. valli pergunta, da antecâmara, bradando palavra por palavra se o chapéu do pai já foi limpo. a maçaneta da porta da frente é abaixada, e a porta continua se abrindo, com um canto feminino. e fecha-se finalmente com um tranco abafado, masculino, que soa como o mais desconsiderado.

sabia de longe quando o barulho dos CHINELOS batendo no chão era de meu pai. ou, pelo ranger das dobradiças, quando era minha mãe que fechava a JANELA.

trago sua mão pro meu coração, pra você sentir minha pulsação. pra mim, tampouco está sendo fácil falar. 

um dia MEU PAI ENTROU NO QUARTO e eu estava com o pau pra fora, duro. eu batia punheta de porta aberta, claro. era muito melhor pra escutar se vinha alguém chegando. durante muito tempo, pra mim o prazer do sexo se resumia ao MOMENTO DO GOZO. só na ARGENTINA comecei a sentir prazer antes de gozar, e a verdade é que até hoje ainda estou aprendendo. talvez porque lá eu pudesse me trancar O QUANTO QUISESSE. minhas portas de la plata foram tão importantes que até hoje guardo minhas chaves de lá, como se elas me EMPODERASSEM de alguma coisa.

abre os olhos. agora, me conta um SEGREDO TEU?

Familia Chris

Pego o rádio, ligo e peço ajuda para colocar na rádio 99,9. Vou até a geladeira pego uma forma de gelo e um copo. Tiro os cubos, coloco dentro do copo e começo a conversar com o público, aos poucos vou mexendo no gelo.

Passei esse final de semana na casa dos meus pais. Acho muito engraçado perceber que nada mudou. Eles são como duas pessoas que permaneceram da mesma forma há anos, desde que sou pequena. O tempo passa e as memórias se repetem.  Eles brigam da mesma forma, pelas mesmas coisas, reagem do mesmo jeito.

Nós sempre andamos de carro, longos trajetos. Os dois sentados na frente, eu atrás,todos calados, quietos. Só se ouvia o rádio. Sentia o peito apertar, uma vontade de fugir, sair desse lugar. Secretamente pensava em pular do carro em movimento, me imaginava rolando e em seguida morrendo, melhor mudar o plano. Acabava me rendendo a música, cantarolava, batucava, fechava os olhos, deitava no banco de trás e ficava vendo o mundo passar de cabeça para baixo, a copa das árvores, o sol que se escondia ou se revelava por detras das folhas me cegando, os fios de energia, pedaços do céu...

Em algum momento eu tentava interagir com eles, fazer uma coisa diferente, os desafiava, ríamos um pouco, brigávamos um pouco mais. Tentava lidar com o inaceitável.
Minha mais audaciosa tentativa de contato foi em um Natal, tirei meu pai no amigo oculto e resolvi dar um livro para ele: A Terra Vista do Céu, dei o livro e escrevi uma carta para ele, que tinha coisas que escrevi e no final um poema do Caeiro.

Li a carta assim que entreguei o presente, na frente de todos. Eu o agradeci por tudo que ele havia feito por mim, disse que o amava e sabia que ele estaria sempre ao meu lado. E fiz também um apelo, para que ele olhasse para as coisas mais simples, percebesse a poesia do mundo, apelo esse feito utilizando as palavras do poeta.

Sua reação a esse gesto foi de total asperza, me deu uma resposta raivosa, vomitou palavras, em sua maior parte de ataque, disse que eu precisava acordar para a vida, crescer, ver o mundo como ele é, disse também que esse poeta apesar de genial era esquizofrenico e que era preciso tomar cuidado com esse tipo de coisa...

(Pausa)

Eu perguntei para minha mãe que objeto ela gostaria de ser. Sabe o que ela respondeu? (Pergunto para o público)

Uma jarra

Coloco o copo até o gelo estar quase todo derretido em uma superfície e dentro dele coloco uma flor. Vou embora ou sou interrompida por um dos atores.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Saudade Chris

Toco Asa Branca na gaita e vou andando para a parte de fora da casa (tendência para que a cena aconteça depois da saudade do Samu). Lá, bem no centro, está colocada uma cesta com vários relatos de saudades que serão coletados ao longo do processo. Os participantes só poderão pegar um dos papéis, se colocarem outro no cesto e ao pegarem o papel poderão ler ou não para o grupo. À medida que a cena acontece deixo de tocar a música e começo a emitir sons, brincar com as melodias até que a cena é atravessada por um outro dispositivo. 


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Um pouco de Pessoa

"Tudo quanto um homem expõe ou exprime é uma nota a margem de um texto. Mais ou menos, pelo sentido da nota, teríamos o sentido que havia de ter o texto; mas fica sempre uma dúvida e os sentidos possíveis são muitos"


O dia em que trouxemos algo

Ricardo

Os sons de uma casa
Maçaneta na porta 
Canto dos bichos

(Como é quando um homem bate na porta ou uma mulé?)

Oportunidade para um pequeno desespero
Rituais de uma casa -  sensações dos lugares da casa

Samuel

Tempo doente, cansado
Pegar os pedaços do tempo
Mastigar as horas
Gostaria de um terço das oito horas

Mariah

"Um tanto assim que é tanto"

admirar a beleza das perguntas, muito mais...

o mundo de dentro. simplicidade. distorções da percepção. o olhar de cada um na casa. único. intransferível. partilhado. amasso da cama feito com a tinta --> textura confortável.

 

Apresentação Chris

(Começa a apresentação no banheiro da casa. (Em algum momento ser interrompida por algum dos atores batendo a porta ou por ou discussão ou uma pílula de ação.)

Sempre tive uma sensação de despertencimento
Do lugar onde nasci, inclusive de mim
Sou filha única de pais com uma leve tendência ao controle
Passei muito tempo brincando sozinha em casa e meu lugar favorito era o banheiro 
Era o único comodo que eu podia trancar (tranca a porta)

(Falando mais rápido) Gostava do frescor do banheiro, da água, da banheira, do espelho em cima da pia, das maquiagens e cremes da minha mãe...

Fazia ali minha pequena ilha. Virava uma pirata, india (subo em cima da pia) 
Dentro do box tinha um batente onde eu subia e espiava um recorte do mundo lá fora, o prédio vizinho, na verdade, olhava para o apartamento que ficava bem na frente da fresta e espiava seu morador solitário.

(senta na pia e olha para o espelho) Quando dava conta estava de frente para o espelho. Ficava lá não por vaidade, mas para cair dentro do labirinto de minha própria imagem.

Reconhecer que não haveria reconhecimento
que a imagem absurda seria sempre de um outro
dimensões em coexistência
agente e espectadora
deixando-se possuir por todos que não eram ela
na temporalidade cotidiana
pensando que se um padre espiasse pela fechadura 
e a inquisição ainda estivesse na ativa
em poucos minutos ela estaria dançando 
junto ao fogo onde fora forjada
cabelos delicados quase quebráveis 
olhos penetrantes pontiagudos
(falar o que estou vendo, o que reparo no dia)

rosto nosso
absoluto e andrógino
de cuja simbiose indenitária 
não pode ainda abrir mão

Lembram da banheira? Tinha um jato na banheira...

(sai. Em algum outro momento da experiência, experimenta)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

01 (hum) sonho

A casa é grande.
Atmosfera hostil,
Do lado de fora, um descampado e muita terra. Passam dois bois.
é sobre teatro e a impossibilidade do teatro.
Lála taí.
Seguimos, em corrida, os dois animais.
Galope.
Acordo.

escorre tempo

tempo escorre não linear não apreensível
perfura.
perfuração e abcesso.
dar a ver
relação?
Sublime! Banal...

Ricardo e Kafka

memória. rotina passada passado.
cheiros - sons.
Imagens que trazem um tempo à tona. presentificam. passadificam.
angústia e conforto
tristeza bonita
alegria saudosa

CONTIGO

cidadã instigada

Suspensão.
Textura cremosa
Intimidade - virada - depoimento - rotina - cotidiano - corriqueiro - passagem - cruzamento
TROCA. TOQUE.

"Liberdade no encontro com o Outro"
Olhar. escuta.
ando, paro e respiro.
Silêncio na multidão. GRITO de indivíduo.
Melodia que abraça.
Embalar. (embalo - embalagem)
Revestimento.

crocância

Luzes apagadas, pequena fresta na janela.
Iluminação cambaleante / bruxuleante do televisor. blockbuster.
Cobertor. almofadas. sofá. coxa. cabelo. cafuné. pele. montinho. aconchego.
pipoca. o cheiro que toma conta da sala. pipoca salgada, pipoca com manteiga, pipoca doce. mastigar de pipocas.
pausa pro xixi.
tssss. alguém abriu a coca-cola. não tão gelada, pq fora da geladeira. coca, pipoca e filme no sábado. quantos filmes a gente já viu? abre o chocolate e coloca mais um. amanhã ainda é domingo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"À porta quem virá bater?
Em uma porta aberta se entra
Uma porta fechada um antro
O mundo bate do outro lado de minha porta."

Pierre Albert-Birot

Então...

- VAMOS COMEÇAR?

Uma palestra

casa | s.f. 1 associação: agremiação <a c. do estudante> 2 botoeira <as c. de uma blusa> 3 classe <a c. do milhar> 4 convento: mosteiro <c. beneditinas> 5 década: decenário, decênio <ele já está na c. dos 30> 6 decoração: mobiliário <c. luxuosa> 7 divisão: espaço, subdivisão <quantas c. tem um tabuleiro de damas?> 8 domicílio: habitação, morad(i)a, residência, vivenda 9 lar: família <a educação começa em c.> 10 linhagem: dinastia, estirpe, geração <a c. de Bragança> 11 loja: armazém, estabelecimento, (super)mercado 12 fig. plateia: assitência, público <a estreia teve c. lotada>

casa sf. 1. Edifício destinado, em geral, a habitação. 2. Lar, família. 3. Estabelecimento, firma. 4. Abertura por onde passa o botão; botoeira. 5. Grupo de dezenas, começando por dez ou múltiplo desse número, na idade de uma pessoa. | casa de detenção. 1. Estabelecimento oficial onde ficam detidos os réus que aguardam julgamento. 2. P. ext. V. cadeia (2).

casa s.f. 1. Casa, vivienda, residencia. 2. Ojal. 3. Casa, establecimiento comercial o industrial. 4. División de tablero, casilla, casillero. 5. Casa, familia noble. 6. Fig. Hogar. Las buenas costumbres se aprenden en el hogar. | Casa de campo. Villa, quinta. Casa geminada. Casa adosada/pareada.