Pego o rádio, ligo e peço ajuda para colocar na rádio 99,9. Vou até a geladeira pego uma forma de gelo e um copo. Tiro os cubos, coloco dentro do copo e começo a conversar com o público, aos poucos vou mexendo no gelo.
Passei esse final de semana na casa dos meus pais. Acho muito engraçado perceber que nada mudou. Eles são como duas pessoas que permaneceram da mesma forma há anos, desde que sou pequena. O tempo passa e as memórias se repetem. Eles brigam da mesma forma, pelas mesmas coisas, reagem do mesmo jeito.
Nós sempre andamos de carro, longos trajetos. Os dois sentados na frente, eu atrás,todos calados, quietos. Só se ouvia o rádio. Sentia o peito apertar, uma vontade de fugir, sair desse lugar. Secretamente pensava em pular do carro em movimento, me imaginava rolando e em seguida morrendo, melhor mudar o plano. Acabava me rendendo a música, cantarolava, batucava, fechava os olhos, deitava no banco de trás e ficava vendo o mundo passar de cabeça para baixo, a copa das árvores, o sol que se escondia ou se revelava por detras das folhas me cegando, os fios de energia, pedaços do céu...
Em algum momento eu tentava interagir com eles, fazer uma coisa diferente, os desafiava, ríamos um pouco, brigávamos um pouco mais. Tentava lidar com o inaceitável.
Minha mais audaciosa tentativa de contato foi em um Natal, tirei meu pai no amigo oculto e resolvi dar um livro para ele: A Terra Vista do Céu, dei o livro e escrevi uma carta para ele, que tinha coisas que escrevi e no final um poema do Caeiro.
Li a carta assim que entreguei o presente, na frente de todos. Eu o agradeci por tudo que ele havia feito por mim, disse que o amava e sabia que ele estaria sempre ao meu lado. E fiz também um apelo, para que ele olhasse para as coisas mais simples, percebesse a poesia do mundo, apelo esse feito utilizando as palavras do poeta.
Sua reação a esse gesto foi de total asperza, me deu uma resposta raivosa, vomitou palavras, em sua maior parte de ataque, disse que eu precisava acordar para a vida, crescer, ver o mundo como ele é, disse também que esse poeta apesar de genial era esquizofrenico e que era preciso tomar cuidado com esse tipo de coisa...
(Pausa)
Eu perguntei para minha mãe que objeto ela gostaria de ser. Sabe o que ela respondeu? (Pergunto para o público)
Uma jarra
Coloco o copo até o gelo estar quase todo derretido em uma superfície e dentro dele coloco uma flor. Vou embora ou sou interrompida por um dos atores.
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